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sábado, 22 de janeiro de 2011
Somos Tod@s transexuais?
Se no andar da vida encontrar um LGBTs e tiver sensações estranhas, leia o texto abaixo.
[extraido do blog Nago]
Boa leitura.
No decorrer dos séculos, a sexualidade humana passou por diferentes processos construtivos. Michel Foucault, em sua História da sexualidade, demonstra o papel dos discursos e das instituições para aprisionar as vivências sexuais, controlando assim a vida pública e privadas dos atores sociais. O século XIX é o ponto alto dessas transformações, nele, categorias sexuais são construídas e conceitualizadas no seio do Estado, da religião, das escolas, universidades e hospitais. As práticas e condutas sexuais “livres” passaram a ser divididas em micropolíticas de normalidade e anormalidade, surge assim as palavras heterossexual e homossexual.
O heterossexual é aquele que está incluso no modelo de consenso social, macho e fêmea reprodutores, dotados de privilégios sociais. Já os homossexuais são aqueles que desviam da norma reprodutiva da sexualidade, são sujeitos que não respondem as normas do imperativo sexual, suas condutas são compreendidas como anormais, doentias e desviantes. No campo do discurso, nossos corpos só existem quando “nomeados”, e essa nomeação demarca simbolicamente quem é homem, quem é mulher, já nascemos fadados a sermos homens e mulheres! . Somos enquadrados em modelos pré-fabricados no binômio masculino e feminino, e aqueles que não se encaixam no espaço inteligível da heterossexualidade passam por diversas formas de punição e correção.
No primeiro artigo da declaração universal dos Direitos Humanos, somos convidados a conviver em fraternidade. Ele nos diz: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”. Apesar disso, quando tentamos analisar o campo da sexualidade, percebemos que nem sempre a dignidade e os direitos são assegurados. A homossexualidade de muitos sujeitos ainda é considerada doença, como as/os transexuais as/os intersexos (hermafroditas, na linguagem médica). Presos em corpos que não lhes agradam, presos em discursos que não lhes confortam, essa é a realidade de muitos sujeitos de sexualidade desviante.
No Brasil e no Mundo, a transexualidade está inclusa no CID (Código Internacional de Doenças) e no DSM (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais), tornando doentes aqueles corpos cujas experiências não se conformam com o psicológico e o social. Dessa forma, podemos afirmar que existem processos de diferenciação entre homossexuais e heterossexuais. Transexuais para se “transformarem” em sujeitos “normais” precisam passar por provações médicas, jurídicas e sociais, como alerta a socióloga Berenice Bento. Antes do processo transexualizador, o corpo “doente” é considerado abjeto, ou seja, não possui valor de vida. Neste contexto, a França é o único país do mundo que retirou a condição transexual das categorias do CID. Apesar disso, as lutas pelo reconhecimento social e a busca pela cirurgia de transgenitalização ainda são barreiras para a população trans daquele país.
O processo de diferenciação da sexualidade humana nos permite fazer seguintes considerações: Quem e o que legitima nossas experiências sexuais? Os direitos sexuais também são direitos humanos? Quando a diferença é substantiva os direitos devem ser iguais? Qual discurso nos torna mais humanos ou mais abjetos? Quando nos tornamos heterossexuais? Na perspectiva de gênero, podemos afirmar que a legitimidade de nossas experiências passa pelo crivo do social. Somos constantemente solicitados a reiterar modelos de sexualidade, que por muitas vezes culmina em violência, violação e julgamento. Os “desajustados” brigam pelo direito pleno pela vida. Vivemos a sombra de inúmeros casos de repressão sexual, moral, religiosa, estatal. Como poderemos ter plena cidadania se não somos considerados “normais”?
Enquanto milhares de homossexuais morrem pelo mundo, a igreja, a mídia e o Estado continuam alinhando o discurso de medicalização, punição e esquecimento da população homossexual pelo mundo. No Brasil, a PL 122/2006, de autoria da senadora Fátima Cleide (PT – RO), não é discutida porque o nosso congresso possui uma bancada religiosa que não permite a criminalização de atos de intolerância contra homossexuais. O movimento LGBTrans brasileiro enfrenta um levante de religiosos que pregam a homofobia e a não igualdade de direitos civis para a população homossexual.
Na cultura brasileira, ainda é constante encontrar pessoas que ainda se referem a diferença sexual como homossexualismo. Mas não podemos deixar de mencionar que a homossexualidade deixou de ser doença desde a década de 1970 pela Associação Americana de Psiquiatria. Em 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retira a homossexualidade das categorias pertencentes ao CID. O sufixo ISMO, usado pelos homofóbicos, reforça o caráter patológico das praticas homossexuais na sociedade, como no caso do sadismo, masoquismo, travestismo e transexualismo. Além das parafilias classificadas como necrofilia e zoofilia. Todas gestadas no meio das ciências médicas e clínicas.
A homofobia sofrida por gays, lésbicas, bissexuais e a patologização do TRANS, termina por mostrar que a realidade das práticas sociais ainda dialoga com os discursos normativos da sociedade de controle. Como podemos falar em estado laico se os discursos que recriminam a homossexualidade estão pautados em parâmetros religiosos, em discursos reprodutivos? Como garantir direitos humanos se o Estado não atende as demandas humanas do direito pela vida?Avanços até que existem, o uso de nomes sociais de travestis e transexuais é garantido em algumas instâncias sociais da república brasileira, mesmo que de forma tímida, travestis e transexuais também surgem na política brasileira. Mas elas/eles (transexuais/travestis) ainda sãoconsiderad@s refugo humano, portadores de desvios de conduta, doentes. Vale ressaltar que a fluidez de gênero é estabelecida quando transexuais burlam as normas impostas pelo imperativo heterossexual. Nem todos/todas são homossexuais, existem transexuais héteros e bissexuais, como alerta Berenice Bento em seu referenciado livro “A reinvenção do corpo: gênero e sexualidade na experiência transexual”.
A doença que nós sofremos, segundo os homofóbicos, deve ser exterminada porque uma “doença” deve ser sanada, expurgada e eliminada dos espaços onde os sadios circulam. Dessa forma, a homofobia que sofremos nos coloca como meros corpos desalinhados, somos os sujeitos que vivem a mercê de discursos eugenistas, racistas e homofóbicos.
Igualdade de direitos, essa é a questão primordial para uma pauta do movimento LGBTRANS. Para adquirirmos o direito de viver, de ter plena cidadania, de sermos reconhecidos pela presença de vida, é necessário que antes deixemos de ser doentes sexuais. Somos transexuais, cada vez mais percebo isso, vivemos a sombra de novos atentados a vida, de práticas de violência absurdas, da castração do reconhecimento social. Desde 2001, a portaria nº1.707 do Sistema único de Saúde regulamenta a realização da transgenitalização na saúde pública do Brasil, mas essa “legalização” do procedimento torna ainda mais burocrático a execução da cirurgia. Para sermos “transexuais de verdade” - como alerta Berenice Bento e Márcia Arán – é necessário que as ciências “psi” detectem a nossa doença: “transtorno de identidade de gênero”, e o nosso reconhecimento social passa pelo crivo da existência de um distúrbio de personalidade.
Homofobia, doença, disforia de gênero esses são conceitos que estão enraizados na experiência homossexual e, consequentemente, na experiência transex. As lutas de Trans, Lésbicas e Gays devem ser pautadas na execução plena do direito de igualdade de vida. Viver, sair do território da abjeção, tornar o cotidiano marcado pela presença da diferença, mas que essa diferença não exista em relação aos direitos. Afinal, somos humanos, e nossa humanidade não pode e não deve ser colocada a prova em atos que infligem o direito básico da vida. Deixemos de lado a abjeção, o impensável, o sujo, tomemos o espaço público, vamos a luta! Porque como diz o artigo II da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
Cachoeira, 20 de Novembro de 2010.
*Julio César Sanches é graduando de jornalismo da UFRB, integrante do grupo de pesquisa CUS – Cultura e Sexualidade (CULT/UFBA) - , membro do Coletivo Aquenda! de Diversidade Sexual da UFRB.
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