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quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O STJ a Justiça e os Indios - RR - Raposa Terra do Sol

AWERE: JUSTIÇA NA RAPOSA TERRA DO SOL


No dia que a humanidade celebra a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) deu início a uma nova era de respeitabilidade para com os Povos Indígenas do Brasil. Com 8 votos declarados, mesmo com o pedido de vistas por parte do Ministro Celso de Mello, não há como pedir a nulidade da demarcação das terras indígenas Raposa Terra do Sol, localizada no Estado de Roraima. Apenas significa que a decisão e ratificação da demarcação realizada em 2005 ficará para os primeiros meses do ano de 2009.

Trata-se de uma decisão que beneficiará mais de 19.000 mil indígenas moradores da Reserva Indígena Raposa Terra do Sol, divididos etnicamente em 5 povos que se comunicam entre si por meio de tradições e costumes, festas e relações econômicas.

Aos não-índios, latifundiários e defensores da lógica do “agronegócio” e, talvez, do “hidronegócio” restará o benefício ainda de serem indenizados pela União o que não deveria ser realizado, por se tratar de invasão de território indígena. Mesmo que não fosse uma territorialidade indígena estariam em território devoluto da União, logo, do povo brasileiro. Contudo, já que é para se fazer valer a lógica do “contrato social” de Hobbes, o Estado fica obrigado a indenizar os que supostamente fizeram benfeitorias locais.

Os politiqueiros de plantão devem estar literalmente assustados com os votos desses 8 Ministros do STJ. Desde os donos do capital até os fazendeiros, dos amigos dos fazendeiros que estão no Senado como também na Câmara. O Governador de Roraima que procurava defender os interesses dos grandes agronegocistas deverá repensar seus discursos. Mas tudo isso está sendo um grande ensinamento, uma grande vitória pedagógica e gostaria de destacar cinco delas, dentre outras que poderão existir.

Qual seria a importância pedagógica dessa decisão? Simplesmente uma correção histórica que coloca em primeiro lugar os povos indígenas e aqueles que querem utilizar a terra, que continua sendo da União, de forma sustentável e ecopedagógica. Trata-se de uma vitória de todos os povos indígenas do Brasil que poderão continuar sonhando a grande utopia da “terra sem males”. Males ainda causados por homens como estes que continuar a defender a maléfica lógica da colonização.

A importância dessa decisão de um vir-a-ser também é de ordem moral. Uma nova cultura moral está se formando nas decisões do STJ que julga não mais em prol dos colarinhos brancos, dos homens de negócio e dos proprietários do capital. Pelo contrário, a justiça começa a deixa de ser “minúscula” e passa a ser “maiúscula”, logo, Justiça. O caso dos povos indígenas é uma ação pedagógica que poderá movimentar outras organizações, movimentos sociais e populares e sindicatos a lutarem também contra a lógica do mandonismo, dos velhos costumes do “jeitinho” coronelista e das políticas de apadrinhamento.

Uma terceira importância pedagógica é de ordem política. O discurso do líder dos arrozeiros, grande defensor do agronegócio e também da exploração desordenada das terras indígenas e de seus bens naturais, defendia a tese de que a Reserva Indígena possuía faixa contínua de limites territoriais de fronteira com outros países, a saber: Guiana e Venezuela. Primeiro, estariam a Guiana e a Venezuela interessadas em se apossar do território brasileiro? Seria uma ingenuidade se pensar assim. Portanto, passou a defender com discursos “sofistas” e ideológicos que as ONGs defensoras dos Povos Indígenas da Raposa Terra do Sol eram estrangeiras, interessadas nas terras indígenas e na área de fronteira. O que eles, os latifundiários chamam de ONGs é simplesmente o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), organismo pastoral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que recebe financiamento de organismos alemães para defender e se manter enquanto instituição histórica, desde 1975, na defesa e na promoção dos povos indígenas no Brasil todo. Portanto, não há como ligar o CIMI a uma organização clandestina internacional que quer se beneficiar dos povos indígenas e de suas riquezas minerais, naturais, biológicas etc. Trata-se realmente de uma “falácia” dos que defendem tal tese, no mínimo, absurda.

A quarta importância pedagógica da decisão do vir-a-ser dada pelo STJ é de ordem ecológico-ambiental. Os chamados não-índios no Processo são estimulados pela lógica do capitalismo e pelo discurso do chamado “desenvolvimento” e do “progresso”, a desmatar toda a reserva florestal dentro do território indígena. Em nome do deus “capital” se pode tudo. Acabar com a natureza seria mais um recurso para os famintos e sedentos homens de negócio que vêem a lucratividade em primeiro lugar. A decisão elimina esta possibilidade, já que é comprovado que os índios são os que mais preservam e onde há Reserva Indígena, a floresta e toda sua biodiversidade está protegida.

A quinta importância pedagógica da decisão do vir-a-ser é de ordem cultural. Os índios poderão dar um passo significativo a manter todas suas vivencias culturais sem se preocupar com que o não-índio irá dizer. Para muitos, o modo de vida dos povos indígenas é primitivo, a-moderno, sem nenhuma esperança de pós-modernidade. De fato, os povos indígenas devem mesmo evitar a modernidade irracional e a pós-modernidade imbecil. Eles possuem mais, muito mais. Possuem saberes milenares que não podem e não deve ser esquecido, daí a importância da educação indígena, que promova a integração entre a cultura letrada e a cultura vivida. São os povos indígenas, defensores da soberania nacional, é que possuem a verdadeira Razão. Os outros querem a Razão domesticada pela lógica do consumo, do capital e do mercado.

Não conheço a Reserva Raposa Terra do Sol, mas não poderia esquecer da grande festa que está sendo realizada. Um verdadeiro Awere já se forma nas mais de 190 aldeias que compõem a Reserva Indígena Raposa Terra do Sol. Toda nação deveria render “graças” a todos os habitantes dessa Reserva que pedagogicamente nos ensinaram a lutar e acreditar que o sonho é possível e de que a “Justiça e Paz” prevaleceriam. A paz ainda é um sonho, pois devemos temer pelas atitudes dos donos do capital que saíram derrotados, mas a Justiça se fez realidade, fez gente e gente quer brilhar para defender o que também é nosso, as terras da Raposa do Sol, território indígena, território brasileiro e dos brasileiros (e não simplesmente de alguns). Awere para a soberania nacional e para a soberania dos povos indígenas.

Claudemiro Godoy do Nascimento
Filósofo e Teólogo. Mestre em Educação/Unicamp. Doutorando em Educação/UnB. Professor da Universidade Federal do Tocantins – UFT/Campus de Arraias.

Fonte: do grupo Teologia da Libertação - e-mail: teologia_da_Libertacao@yahoogrupos.com.br

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